domingo, 7 de junho de 2015

A Ferrovia do Aço [parte 1]

“A REDE FERROVIÁRIA FEDERAL S.A. deverá concluir, até meados do próximo ano, o projeto de engenharia final da ‘ferrovia do aço’, que ligará Belo Horizonte a São Paulo e a Volta Redonda, com cerca de 830 quilômetros de extensão, e que vai requerer investimentos de aproximadamente 4 bilhões de cruzeiros. A nova estrada, além de permitir o transporte de passageiros entre as duas capitais em trens que farão até 120 quilômetros por hora, cobrindo o percurso em 6 horas, terá grande importância econômica. Trens de carga farão, em cerca de 10 horas, o transporte de minério de ferro, cimento e outras mercadorias de Minas para São Paulo, assegurando o transporte de produtos industrializados de São Paulo para Belo Horizonte.”[1]

Um dos maiores projetos de expansão de infraestrutura do período da ditadura civil-militar (1964-1985) foi a chamada “ferrovia do aço” (FdA). Projeto de integração ferroviária entre Belo Horizonte e São Paulo, com um ramal para Volta Redonda, teve boa parte de infraestrutura construída, porém, não utilizada.

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Esquema de proposição para as conexões da FdA. REFESA. Ministério dos Transportes. Maio-junho, 1973, p.20.

A linha tronco[2] da FdA seria entre a região metropolitana de Belo Horizonte e a de São Paulo, com via duplicada, e contaria com um ramal em linha singela entre Itutinga, MG, e Volta Redonda, RJ, onde se encontra a principal planta da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).

A intenção era a de uma espécie de “linha auxiliar” gigante da antiga Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB) que, ao final, seria a principal e tornaria “auxiliar” a ferrovia mais antiga.

O primeiro surto ferroviário do Brasil ocorreu ainda no século XIX, tendo terminado seu processo nas primeiras décadas do XX. Logo, podemos dizer que a FdA foi o maior projeto ferroviário do novecentos, pelo menos em propaganda, adiamentos, abandonos, desistências e cortes (não os cortes de terreno e nem os de verbas, me refiro aos cortes de execução de obras).

O maior corte de projeto, mas não no período de planejamentos, já no período de execução das obras, foi a supressão da maior parte do que seria a linha tronco entre Itutinga e São Paulo, o que transformou o ramal de Volta Redonda em tronco. Outra grande supressão nesse processo foi a da segunda via do tronco, ficando toda a extensão – agora entre Belo Horizonte e Volta Redonda – em linha singela.

Ferrovia do Aço

Trecho da FdA entre São João del-Rei e Coronel Xavier Chaves, MG. Terreno, viadutos e túneis preparados para a segunda linha que nunca foi assentada.

Outro detalhe do projeto original era a tração elétrica. Vários equipamentos necessários e próprios desse tipo de operação, tais como catenárias e locomotivas elétricas chegaram a ser adquiridos, porém, nunca instalados.

Seriam “1000 dias” de construção, segundo o discurso da época em que se iniciavam as obras, tocadas pela ENGEFER, empresa criada pelo Ministério dos Transportes (MT) e ligada à Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA). No entanto, os três anos de previsão, devido a uma série de fatores (alguns obscuros), quase se transformaram em trinta ou, para fazer alusão ao slogan “ferrovia dos 1000 dias”, quase chegou a “10000 dias”, e com a execução que não chega a ser metade da linha projetada.

Os desvios de material e de verbas, em esquemas de corrupção nos governos Geisel e Figueiredo, aliados ao mal planejamento, foram decisivos para o quase abandono total da grande estrada de ferro.

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Cabina de uma das locomotivas compradas e nunca usadas (acima) para a nunca eletrificada FdA. Muito parecidas com as do modelo E9, utilizadas nos trens de minério de ferro da África do Sul (abaixo).

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Numa análise posterior, podemos dizer que a “ferrovia dos 1000 dias” foi um dos grandes delírios do engodo chamado pelos governos militares de “milagre econômico” que, como qualquer outra coisa chamada de “milagre”, não passou de uma tremenda enganação ou, de um ponto de vista político, um grande golpe na boa fé de qualquer desavisado.

Salva parcialmente no início da década de 90, a FdA esteve a um passo de ser um total “elefante branco”. Isso porque a própria RFFSA tomou para si a função de terminar a ligação entre Jeceaba e Itabirito, numa estratégia economicamente favorável, através de um acordo com a Minerações Brasileiras Reunidas (MBR). Esse acordo permitiu a construção de 57,5km no “trecho norte” e o capital empregado pela MBR foi convertido em frete[3] a partir do momento em que os trens passaram a, finalmente, serem vistos pela “ferrovia dos 10000 dias”.

Se, por um lado, houve muito prejuízo público no processo de projeto/construção dessa ferrovia, por outro, quem se deu muito bem, ao final das contas, foi a concessionária que arrematou a “Malha Sudeste” no processo de desestatização de 1996-98. A MRS Logística ficou com a “cereja do bolo” da extinta RFFSA, a malha das antigas SR-3 e SR-4, em bitola larga, ligando as três maiores cidades da Região Sudeste.

Hoje, pelas linhas da FdA, correm tanto os trens de minério de ferro para a CSN e a COSIPA quanto o de exportação para o porto de Sepetiba, na ilha de Guaíba, RJ, além de alguns de cimento, carga geral e contêineres (esses um tanto mais raros).

Os trens de passageiros que constavam do plano original de 1973, a 120km/h, bem... esqueçam.

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Trem da antiga “bitolinha” da Estrada de Ferro Oeste de Minas/Rede Mineira de Viação/Viação Férrea Centro Oeste/SR-2 passando sob um dos muitíssimos viadutos da Ferrovia do Aço, no ponto em que essa passa sobre o Rio das Mortes, na Região de São João del-Rei. Via Jonas Martins.

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Trem de minério de ferro da MRS Logística em Jeceaba, MG. Foto de William Martins.


[1] REFESA. Ministério dos Transportes. Maio-junho, 1973, p.20.

[2] Basicamente, as ferrovias se dividem em troncos e ramais, sendo os troncos as linhas principais e os ramais as linhas secundárias, podendo haver sub-ramais.

[3] “Mutilada, ferrovia do aço chega ao fim”. Carga e Transporte, Ano X, n.107, 1994, p.50.

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